Eram 11h10 da manhã, quando saí do apartamento do Edifício
Bárbara de Alencar, na rua de mesmo nome, acompanhado da minha bicicleta, de
meu celular, de ferramentas, câmara de ar, bomba de ar, documento de
identidade, algum dinheiro, um sanduíche de pão de forma integral, dividido em
quatro partes e embalados com papel plástico, além de duas barras de cereal de
açaí com banana, bala de sal, chocolate e duas garrafinhas com água. Meu
celular proveu-me de música com MP3 tocando aleatoriamente, e meu ciclo-computador,
mesmo no princípio sem querer funcionar, trabalhou 95% do tempo.
Então, desci a rua do prédio, dobrei à esquerda e fui no
rumo da Rua Clarindo de Queiroz, onde para variar, até porque era sábado ainda
de manhã, encontrei um trânsito infernal, tendo que mencionar um taxista
infeliz que fechou o trânsito, não quis dar uma pequena ré para eu passar. Mesmo eu pedindo educadamente, o cara mandou-me um cotoco descaradamente, resultando em uma pequena confusão, da qual saí logo de perto, aproveitando-me do trânsito parado!
Alcancei a ciclovia da Av. Bezerra de Menezes, consegui
rodar bem, sem grandes problemas, mas, logicamente, a ciclovia estava cheia de
gente atrapalhando a pedalada.
E nela segui pela Av. Mister Hull até onde deixou de existir
canteiro central, quando fui para o asfalto e nele segui mesmo quando passei
pela reserva indígena na estrada que vai para Caucaia e que tem ciclovia.
A velocidade era boa, o vento soprava fortemente, o clima
estava agradável graças à condição nublada do céu, que choveu mais cedo, tipo
meia hora antes de eu sair.
Mas quando optei por pegar a estrada que vai para a Praia do
Icaraí, encarei um vento nos peitos e uma subida que minguaram a velocidade.
A rotatória que dá início Estruturante apareceu logo, bem
mais perto de quando se vem da Barra do Ceará. Um trânsito intenso, mas nada
complicado.
Por duas vezes, enganei-me com relação à última curva, e
lembro também que a média rondava os 38 a 40km/h.
Logo, minha zona de conforto seria completamente convertida
na trabalheira que dá pedalar em um estradão em dia de chuva, com seu piso
molhado e pesado, prendendo os pneus ao chão, deixando a média por volta dos
20km/h.
Assim que encontrei a entrada, um single track ia de
encontro a um açude cercado que mesmo assim me deu vontade de cair na água,
pois estava um pouco abafado.
Eu pensava que era o único açude que tem por ali, mas não,
adiante, logo após uma vila da qual me lembrava, tem um outro açude menor, mas
com água, e mesmo assim eu não parei, talvez se tivesse sol.
A todo instante, pensava na Raquel, na noite anterior,
quando ela pirou e causou um mal estar tamanho que me fez desistir de ir pedalar
ou à praia com ela. O intuito então foi que encarei a pedalada como algo que
tanto gosto, que precisava fazer, para esquecer de todas as cenas de ontem.
E deu certo, porque as dificuldades do estradão me fizeram
esquecer dela, preocupando-me com ritmo, cadência, velocidade real, hidratação,
alimentação, horário e escolha entre direitas e esquerdas nas bifurcações.
A serra, cujo nome até hoje não sei, acompanhou-me à
esquerda durante toda aquela etapa entre a Estruturante e a BR. Passei por
algumas localidades, até que na última, parei para tomar uma coca-cola em lata
e comer um quarto do meu sanduíche.
A partir dali, já era asfalto, e rapidamente, cheguei à BR,
onde optei por dobrar à esquerda, sem saber se estava correto, mas logo
encontrei uma entrada à direita, com placa Fazenda Bela Vista, e virei, já
avistando a passagem por sobre a parte mais baixa da serra.
Fui devagarinho, suindo, curtindo o visual, estava soprando
um vento muito bom contra, bem frio para as condições locais. Cheguei em pouco
tempo lá em cima, parando 15 segundos para aproveitar a vista, mas logo
encarando a descida, que proporcionou uns dez saltos, aproveitando a inclinação
de algumas pedras para voar.
Engraçada a sensação de auto-preservação nessas horas, pois
já que eu estava sozinho, tive que me segurar para não me empolgar e não sofrer
nenhum acidente, e deu certo.
Outra observação é a da tranquilidade transmitida pelos
pneus sem câmara de ar e com líquido selante, que no meu caso uso os Maxxis
Cross Mark próprios para esse uso. Além do que, pelo fato de não ter câmara, a
calibragem é menor, transmitindo maior conforto na pedalada, a qual, por ser
numa bicicleta com rodas de tamanho 29 polegadas, tudo vai a favor, numa
segurança extraordinária, e, assim, diminuindo em vários pontos a possibilidade
de algum acidente, mesmo em trilhas com pedras, down hills e valas para
derrubar um ciclista.
Parei num colégio, cujo portão não estava trancado, para
pegar água em um bebedouro, entrei assobiando, mas não apareceu ninguém. E tome
estrada depois, até que alcancei o cruzamento
por sobre o qual passavam os fios das torres de energia da CHESF, era a
Estrada da Chesf, aquela que serve de passagem para os veículos de manutenção
das torres, e a qual me levaria à subida da Trilha da Taquara.
Passei por uma casa com cachorros presos a galhos de uma
árvore, logo depois me deparei com uma cerca de ferro, a qual também não estava
trancada, mas com um cordão, indicando que sua função era impedir alguma
criação de sair do terreno, motivo que me fez, como sempre faço, fechar a cerca
e ir-me embora.
Bateu a fome, então parei para comer uma das duas barras de
cereal que trouxe. Bati uma foto sentado no chão, mostrando a bike deitada no
chão e a trilha fechando em um túnel de vegetação, o que rendeu uma boa
publicação no Instagran ao chegar em casa.
Putz, contei o final, mas besteira, é porque durante alguns
trechos, a vontade de retornar ou de tomar o rumo mais curto, fizeram-me
transmitir essa vontade para a de chegar logo em casa, então tomei como meta chegar
em casa, e, depois acabei ainda pensando em será se ia chegar em casa, que
respondia mais que nada, lógico que chegarei, só ter paciência.
Nesse quesito paciência, o cérebro trabalhou muito bem, e
alguns trechos que considerava que seriam longos e penosos, mostraram-se
técnicos e rápidos.
Coloquei como meta chegar àquele bar próximo à Taquara que
desde os primórdios, quando fui nas minhas primeiras trilhas na Taquara, sempre
parava ali com o Chaves e vários outros para tomar uma boa coca-cola.
Que trilhas boas! Valem à pena todo o pedal difícil até
elas!
Sozinho, curtindo, ouvindo boa e instigante música,
sentindo-me bem fisicamente, a bike reclamando de lama, mas eu aplicando óleo
na medida necessária.
Muito massa a sensação, o poder, a mudança constante de
cenário, a ligação com a natureza, os odores, as visuais, a mágica que é tudo
aquilo ao mesmo tempo e tudo misturado à adrenalina.
Depois de uma descida muito boa, chegou uma subida que certa
vez encarei com um grupo de mountainbikers amigos, e lembro que a brincadeira
era zerar o percurso que deve ter uns 150m com uns 25% de inclinação.
Tentei, mas a chuva que caiu cedo molhou as pedras e acabei
derrapando, colocando assim o pé no chão.
Lá em cima, mais duas fotos, uma olhando pra trás e outra visualizando
a linha reta formada por torres, fios e a estrada subindo a Taquara lá adiante.
Faltava um bocado ainda.
Preparei-me para descer mais uma boa ladeira, tentando
descansar ao máximo para ter mais energia quando tivesse que pedalar. O
aproveitamento da descida conta ainda com melhor escolha da linha e fluidez
para transpor obstáculos, ora saltando, ora triscando neles.
Já no plano, com o chão molhado e algumas poças de lama, era
necessário achar a passagem a mais seca possível, porque senão o jeito era
descer da bike para evitar que muita lama atingisse as peças da transmissão,
corrente, cassete, coroas e passadores.
E, quando olhei para a esquerda, de repente eu já tinha
ultrapassado a quina da Serra do Juá, o que significava que a travessia da BR020
estava próxima.
Estava seco por uma coca-cola, mas ainda tinha um desvio que
a estrada faz para evitar um baixio com um lamaçal que certa vez encarei, para
nunca mais!
A última porteira chegou, passei, fechei e o asfalto
apareceu. Dobrei à esquerda rumo Norte, rumo Fortaleza, para pedalar uns 300m
até virar à direita para mais um trecho plano de estradão quase fechado por
causa da vegetação, que indicava que já chovera o suficiente para tudo estar
verde e desenvolvido.
A meta era um cruzamento adiante, vizinho da casa do senhor
que tem um mercadinho, onde uma coca-cola de 600ml me esperava, e onde
aproveitei para lanchar também.
Por lá, dois carros tipo gaiola, desses montados para andar
em trilha estavam parados. Na varanda, um cara gordo com o filho e outro
senhor. Puxaram conversa e o gordo foi logo falando que pedalava, mas se
acomodou e agora está investindo em motor para conseguir chegar às trilhas. Que
tem uma bike encostada em casa, mas não a usa mais. Sugeri que ele comprasse um
rolo para pedalar em casa, e ele se animou. Também dei a ideia dele levar o
filho ao Terra na Veia para ver se o menino se empolga a ponto dele comprar uma
bike.
Parti dali escutando que vinham 20 carros, jeeps e
caminhonetes descendo a Taquara.
Pedalei uns 100m, atravessei uma passagem molhada e parei
para pegar o óleo e colocar mais um pouco na corrente, sendo que essa foi a 3ª
aplicação do dia, ou 4ª já que em casa limpei a corrente com desengripante.
Cheguei à estradinha que leva à subida, passei pela esquina
onde há uma casa com bar onde já parei muito para tomar alguma coisa durante
pedaladas na Taquara.
No que comecei a subir, passei pela caravana. Um baja, um
jeep, uma gaiola e uma caminhonete com um gordo com cara de imbecil que, em vez
de sair do meio ao me ver me matando para subir pedalando, ficou parado,
olhando-me, o que lhe rendeu um cagaço da minha parte. Minha raiva ainda
aumentou quando avistei o rastro deixado por aquele povo mal educado.
Nos instantes seguintes, já tinha esquecido e dado mais
importância aos batentes e pedras da trilha, que demandavam bastante
dificuldades para conseguir subir sem colocar os pés no chão.
Escutei barulho de moto, mas não apareceram, e o motivo foi
porque estava no prego no meio da subida. Eram dois caras, duas motos. Um deles
falou em coragem da minha parte por estar encarando aquela trilha sozinho. E eu
respondi dizendo que coragem era a deles de destruírem a trilha e deixarem
tanto lixo no caminho, bem como pela falta de noção por parte de alguns
motoristas, referindo-me ao gordo lá da caravana.
O cara se calou, eu montei na bike e pedalei todo o restante
da subida no intuito de humilhar mesmo, porque sei que nenhum deles tem a
capacidade cardio-vascular e nem muscular de se fazer transportar sobre uma
bicicleta num local como aquele.
foto: Diego Braide
Lá em cima, mais uma parada para descansar, mas por pouco
tempo, o suficiente apenas para apreciar a vista da civilização lá embaixo.
E era chegada a hora da melhor diversão de todos os 100km: a
descida da Taquara, que só não foi melhor porque um motoqueiro passou por mim,
deixando-me apreensivo, mas ele parou adiante e segui sozinho, acho que porque
ele esperou um amigo e avisou que tiha um biker descendo, então devem ter dado
um tempo, tanto que logo depois de eu sair da principal, lá embaixo, ouvi-os
passarem.
Por ali, eu me perdi, pensei que a saída pelas granjas era
por um lado, mas tive que voltar, achando em seguida o caminho correto.
Estava cansado, mas cheguei logo ao asfalto que dá no Posto
Magalhães, outro local ícone daquelas trilhas, pois é o local onde deixamos os
carro por ter mercadinho, lanchonete, sombra, gasolina, lava-jato e banheiro.
Aproveitei para gastar meus últimos 50 centavos com um suco
de caju revigorante, para, na sequência, encarar alguns quilômetros de ciclovia
com piso cimentado, onde apareceu desde o cara com cavalos a motoqueiros.
Passei pela rotatória em obras do 4º Anel Viário até com
certa facilidade pelo trânsito que estava, e depois a longa avenida até a
Parangaba, onde encontrei alguns motoristas que mereceram gritos e tapas nos
carros por fazerem merda e quase me derrubarem. Eu admito, estava estressado
por causa de problemas pessoais, nada que justifique, mas é certo que a
adrenalina nas discussões, em vez de me desgastarem, davam-me mais força para
pedalar forte, conseguindo uma média de 30km/h contra o vento. Mas é algo que
não aconselho e nem gosto de fazer, porque dói a mão, a garganta e o juízo mais
tarde, arrependido pelo que acabou fazendo no trânsito, quando o objetivo é
escapar sempre ileso e discreto.
Passei pela loja de bicicletas Criciclo, a qual estava
fechada por já passar das 16h e logo peguei a Av. da Universidade, o trecho
certamente mais tenso de se pedalar por ter vários ônibus e estreitamentos na
via, tanto que, pensando melhor agora, melhor teria sido contornar a Lagoa da
Parangaba para vir pela Av. José Bastos.
No Benfica, uma antes da reitoria, dobrei à direita para ir
por dentro até a Av. Domingos Olímpio. Dobrei à esquerda na Av. Antonio Sales e
à direita na Rua Rocha Lima, onde um cara quase me fechou com seu carro e uma
mulher buzinou muito antes do cruzamento com a Rua Ildefonso Albano, tanto que
me fez descer da bike pra perguntar a ela o que ela queria, porque se fosse
passar por cima de mim, eu tentaria em troco colocar minha mão sobre o carro
dela.
E, por sorte, e muito esforço, consegui chegar, passando
pelo Dedé, o porteiro e dizendo que hoje tinha sido 100km, e ele emendando
dizendo que dava pra ir a Canindé e voltar, não, até Canindé 140km.
Subi, tomei aquele banho, coloquei roupas de molho, ingeri
um comprimido de relaxante muscular bebendo leite com nescau, e comi o último
quarto do meu sanduíche de ovo. Desci, comprei latinhas de cerveja e queijo no
mercadinho, subi, coloquei tudo na geladeira, abri uma lata, postei algumas
fotos no Instagran e só depois almocei arroz integral, tomate e queijo, quando
Raquel chegou.
Foi bom demais! O saldo foi positivo, mesmo com os estresses
nada demais aconteceu, nada quebrou, o dinheiro deu na conta, a comida que
levei foi suficiente, não faltou óleo e o corpo aguentou, garantindo assim a
diversão.
Nenhum comentário:
Postar um comentário