domingo, 9 de fevereiro de 2014

102,3km

Eram 11h10 da manhã, quando saí do apartamento do Edifício Bárbara de Alencar, na rua de mesmo nome, acompanhado da minha bicicleta, de meu celular, de ferramentas, câmara de ar, bomba de ar, documento de identidade, algum dinheiro, um sanduíche de pão de forma integral, dividido em quatro partes e embalados com papel plástico, além de duas barras de cereal de açaí com banana, bala de sal, chocolate e duas garrafinhas com água. Meu celular proveu-me de música com MP3 tocando aleatoriamente, e meu ciclo-computador, mesmo no princípio sem querer funcionar, trabalhou 95% do tempo.
Então, desci a rua do prédio, dobrei à esquerda e fui no rumo da Rua Clarindo de Queiroz, onde para variar, até porque era sábado ainda de manhã, encontrei um trânsito infernal, tendo que mencionar um taxista infeliz que fechou o trânsito, não quis dar uma pequena ré para eu passar. Mesmo eu pedindo educadamente, o cara mandou-me um cotoco descaradamente, resultando em uma pequena confusão, da qual saí logo de perto, aproveitando-me do trânsito parado!
Alcancei a ciclovia da Av. Bezerra de Menezes, consegui rodar bem, sem grandes problemas, mas, logicamente, a ciclovia estava cheia de gente atrapalhando a pedalada.
E nela segui pela Av. Mister Hull até onde deixou de existir canteiro central, quando fui para o asfalto e nele segui mesmo quando passei pela reserva indígena na estrada que vai para Caucaia e que tem ciclovia.
A velocidade era boa, o vento soprava fortemente, o clima estava agradável graças à condição nublada do céu, que choveu mais cedo, tipo meia hora antes de eu sair.
Mas quando optei por pegar a estrada que vai para a Praia do Icaraí, encarei um vento nos peitos e uma subida que minguaram a velocidade.
A rotatória que dá início Estruturante apareceu logo, bem mais perto de quando se vem da Barra do Ceará. Um trânsito intenso, mas nada complicado.
Por duas vezes, enganei-me com relação à última curva, e lembro também que a média rondava os 38 a 40km/h.
Logo, minha zona de conforto seria completamente convertida na trabalheira que dá pedalar em um estradão em dia de chuva, com seu piso molhado e pesado, prendendo os pneus ao chão, deixando a média por volta dos 20km/h.
Assim que encontrei a entrada, um single track ia de encontro a um açude cercado que mesmo assim me deu vontade de cair na água, pois estava um pouco abafado.
Eu pensava que era o único açude que tem por ali, mas não, adiante, logo após uma vila da qual me lembrava, tem um outro açude menor, mas com água, e mesmo assim eu não parei, talvez se tivesse sol.
A todo instante, pensava na Raquel, na noite anterior, quando ela pirou e causou um mal estar tamanho que me fez desistir de ir pedalar ou à praia com ela. O intuito então foi que encarei a pedalada como algo que tanto gosto, que precisava fazer, para esquecer de todas as cenas de ontem.
E deu certo, porque as dificuldades do estradão me fizeram esquecer dela, preocupando-me com ritmo, cadência, velocidade real, hidratação, alimentação, horário e escolha entre direitas e esquerdas nas bifurcações.
A serra, cujo nome até hoje não sei, acompanhou-me à esquerda durante toda aquela etapa entre a Estruturante e a BR. Passei por algumas localidades, até que na última, parei para tomar uma coca-cola em lata e comer um quarto do meu sanduíche.
A partir dali, já era asfalto, e rapidamente, cheguei à BR, onde optei por dobrar à esquerda, sem saber se estava correto, mas logo encontrei uma entrada à direita, com placa Fazenda Bela Vista, e virei, já avistando a passagem por sobre a parte mais baixa da serra.
Fui devagarinho, suindo, curtindo o visual, estava soprando um vento muito bom contra, bem frio para as condições locais. Cheguei em pouco tempo lá em cima, parando 15 segundos para aproveitar a vista, mas logo encarando a descida, que proporcionou uns dez saltos, aproveitando a inclinação de algumas pedras para voar.
Engraçada a sensação de auto-preservação nessas horas, pois já que eu estava sozinho, tive que me segurar para não me empolgar e não sofrer nenhum acidente, e deu certo.
Outra observação é a da tranquilidade transmitida pelos pneus sem câmara de ar e com líquido selante, que no meu caso uso os Maxxis Cross Mark próprios para esse uso. Além do que, pelo fato de não ter câmara, a calibragem é menor, transmitindo maior conforto na pedalada, a qual, por ser numa bicicleta com rodas de tamanho 29 polegadas, tudo vai a favor, numa segurança extraordinária, e, assim, diminuindo em vários pontos a possibilidade de algum acidente, mesmo em trilhas com pedras, down hills e valas para derrubar um ciclista.
Parei num colégio, cujo portão não estava trancado, para pegar água em um bebedouro, entrei assobiando, mas não apareceu ninguém. E tome estrada depois, até que alcancei o cruzamento  por sobre o qual passavam os fios das torres de energia da CHESF, era a Estrada da Chesf, aquela que serve de passagem para os veículos de manutenção das torres, e a qual me levaria à subida da Trilha da Taquara.
Passei por uma casa com cachorros presos a galhos de uma árvore, logo depois me deparei com uma cerca de ferro, a qual também não estava trancada, mas com um cordão, indicando que sua função era impedir alguma criação de sair do terreno, motivo que me fez, como sempre faço, fechar a cerca e ir-me embora.
Bateu a fome, então parei para comer uma das duas barras de cereal que trouxe. Bati uma foto sentado no chão, mostrando a bike deitada no chão e a trilha fechando em um túnel de vegetação, o que rendeu uma boa publicação no Instagran ao chegar em casa.

Putz, contei o final, mas besteira, é porque durante alguns trechos, a vontade de retornar ou de tomar o rumo mais curto, fizeram-me transmitir essa vontade para a de chegar logo em casa, então tomei como meta chegar em casa, e, depois acabei ainda pensando em será se ia chegar em casa, que respondia mais que nada, lógico que chegarei, só ter paciência.
Nesse quesito paciência, o cérebro trabalhou muito bem, e alguns trechos que considerava que seriam longos e penosos, mostraram-se técnicos e rápidos.
Coloquei como meta chegar àquele bar próximo à Taquara que desde os primórdios, quando fui nas minhas primeiras trilhas na Taquara, sempre parava ali com o Chaves e vários outros para tomar uma boa coca-cola.
Que trilhas boas! Valem à pena todo o pedal difícil até elas!
Sozinho, curtindo, ouvindo boa e instigante música, sentindo-me bem fisicamente, a bike reclamando de lama, mas eu aplicando óleo na medida necessária.
Muito massa a sensação, o poder, a mudança constante de cenário, a ligação com a natureza, os odores, as visuais, a mágica que é tudo aquilo ao mesmo tempo e tudo misturado à adrenalina.
Depois de uma descida muito boa, chegou uma subida que certa vez encarei com um grupo de mountainbikers amigos, e lembro que a brincadeira era zerar o percurso que deve ter uns 150m com uns 25% de inclinação.
Tentei, mas a chuva que caiu cedo molhou as pedras e acabei derrapando, colocando assim o pé no chão.
Lá em cima, mais duas fotos, uma olhando pra trás e outra visualizando a linha reta formada por torres, fios e a estrada subindo a Taquara lá adiante.


Faltava um bocado ainda.
Preparei-me para descer mais uma boa ladeira, tentando descansar ao máximo para ter mais energia quando tivesse que pedalar. O aproveitamento da descida conta ainda com melhor escolha da linha e fluidez para transpor obstáculos, ora saltando, ora triscando neles.
Já no plano, com o chão molhado e algumas poças de lama, era necessário achar a passagem a mais seca possível, porque senão o jeito era descer da bike para evitar que muita lama atingisse as peças da transmissão, corrente, cassete, coroas e passadores.
E, quando olhei para a esquerda, de repente eu já tinha ultrapassado a quina da Serra do Juá, o que significava que a travessia da BR020 estava próxima.
Estava seco por uma coca-cola, mas ainda tinha um desvio que a estrada faz para evitar um baixio com um lamaçal que certa vez encarei, para nunca mais!
A última porteira chegou, passei, fechei e o asfalto apareceu. Dobrei à esquerda rumo Norte, rumo Fortaleza, para pedalar uns 300m até virar à direita para mais um trecho plano de estradão quase fechado por causa da vegetação, que indicava que já chovera o suficiente para tudo estar verde e desenvolvido.
A meta era um cruzamento adiante, vizinho da casa do senhor que tem um mercadinho, onde uma coca-cola de 600ml me esperava, e onde aproveitei para lanchar também.
Por lá, dois carros tipo gaiola, desses montados para andar em trilha estavam parados. Na varanda, um cara gordo com o filho e outro senhor. Puxaram conversa e o gordo foi logo falando que pedalava, mas se acomodou e agora está investindo em motor para conseguir chegar às trilhas. Que tem uma bike encostada em casa, mas não a usa mais. Sugeri que ele comprasse um rolo para pedalar em casa, e ele se animou. Também dei a ideia dele levar o filho ao Terra na Veia para ver se o menino se empolga a ponto dele comprar uma bike.
Parti dali escutando que vinham 20 carros, jeeps e caminhonetes descendo a Taquara.
Pedalei uns 100m, atravessei uma passagem molhada e parei para pegar o óleo e colocar mais um pouco na corrente, sendo que essa foi a 3ª aplicação do dia, ou 4ª já que em casa limpei a corrente com desengripante.
Cheguei à estradinha que leva à subida, passei pela esquina onde há uma casa com bar onde já parei muito para tomar alguma coisa durante pedaladas na Taquara.
No que comecei a subir, passei pela caravana. Um baja, um jeep, uma gaiola e uma caminhonete com um gordo com cara de imbecil que, em vez de sair do meio ao me ver me matando para subir pedalando, ficou parado, olhando-me, o que lhe rendeu um cagaço da minha parte. Minha raiva ainda aumentou quando avistei o rastro deixado por aquele povo mal educado.
Nos instantes seguintes, já tinha esquecido e dado mais importância aos batentes e pedras da trilha, que demandavam bastante dificuldades para conseguir subir sem colocar os pés no chão.
Escutei barulho de moto, mas não apareceram, e o motivo foi porque estava no prego no meio da subida. Eram dois caras, duas motos. Um deles falou em coragem da minha parte por estar encarando aquela trilha sozinho. E eu respondi dizendo que coragem era a deles de destruírem a trilha e deixarem tanto lixo no caminho, bem como pela falta de noção por parte de alguns motoristas, referindo-me ao gordo lá da caravana.
O cara se calou, eu montei na bike e pedalei todo o restante da subida no intuito de humilhar mesmo, porque sei que nenhum deles tem a capacidade cardio-vascular e nem muscular de se fazer transportar sobre uma bicicleta num local como aquele.
foto: Diego Braide

Lá em cima, mais uma parada para descansar, mas por pouco tempo, o suficiente apenas para apreciar a vista da civilização lá embaixo.
E era chegada a hora da melhor diversão de todos os 100km: a descida da Taquara, que só não foi melhor porque um motoqueiro passou por mim, deixando-me apreensivo, mas ele parou adiante e segui sozinho, acho que porque ele esperou um amigo e avisou que tiha um biker descendo, então devem ter dado um tempo, tanto que logo depois de eu sair da principal, lá embaixo, ouvi-os passarem.
Por ali, eu me perdi, pensei que a saída pelas granjas era por um lado, mas tive que voltar, achando em seguida o caminho correto.
Estava cansado, mas cheguei logo ao asfalto que dá no Posto Magalhães, outro local ícone daquelas trilhas, pois é o local onde deixamos os carro por ter mercadinho, lanchonete, sombra, gasolina, lava-jato e banheiro.
Aproveitei para gastar meus últimos 50 centavos com um suco de caju revigorante, para, na sequência, encarar alguns quilômetros de ciclovia com piso cimentado, onde apareceu desde o cara com cavalos a motoqueiros.
Passei pela rotatória em obras do 4º Anel Viário até com certa facilidade pelo trânsito que estava, e depois a longa avenida até a Parangaba, onde encontrei alguns motoristas que mereceram gritos e tapas nos carros por fazerem merda e quase me derrubarem. Eu admito, estava estressado por causa de problemas pessoais, nada que justifique, mas é certo que a adrenalina nas discussões, em vez de me desgastarem, davam-me mais força para pedalar forte, conseguindo uma média de 30km/h contra o vento. Mas é algo que não aconselho e nem gosto de fazer, porque dói a mão, a garganta e o juízo mais tarde, arrependido pelo que acabou fazendo no trânsito, quando o objetivo é escapar sempre ileso e discreto.
Passei pela loja de bicicletas Criciclo, a qual estava fechada por já passar das 16h e logo peguei a Av. da Universidade, o trecho certamente mais tenso de se pedalar por ter vários ônibus e estreitamentos na via, tanto que, pensando melhor agora, melhor teria sido contornar a Lagoa da Parangaba para vir pela Av. José Bastos.
No Benfica, uma antes da reitoria, dobrei à direita para ir por dentro até a Av. Domingos Olímpio. Dobrei à esquerda na Av. Antonio Sales e à direita na Rua Rocha Lima, onde um cara quase me fechou com seu carro e uma mulher buzinou muito antes do cruzamento com a Rua Ildefonso Albano, tanto que me fez descer da bike pra perguntar a ela o que ela queria, porque se fosse passar por cima de mim, eu tentaria em troco colocar minha mão sobre o carro dela.
E, por sorte, e muito esforço, consegui chegar, passando pelo Dedé, o porteiro e dizendo que hoje tinha sido 100km, e ele emendando dizendo que dava pra ir a Canindé e voltar, não, até Canindé 140km.
Subi, tomei aquele banho, coloquei roupas de molho, ingeri um comprimido de relaxante muscular bebendo leite com nescau, e comi o último quarto do meu sanduíche de ovo. Desci, comprei latinhas de cerveja e queijo no mercadinho, subi, coloquei tudo na geladeira, abri uma lata, postei algumas fotos no Instagran e só depois almocei arroz integral, tomate e queijo, quando Raquel chegou.

Foi bom demais! O saldo foi positivo, mesmo com os estresses nada demais aconteceu, nada quebrou, o dinheiro deu na conta, a comida que levei foi suficiente, não faltou óleo e o corpo aguentou, garantindo assim a diversão.