quinta-feira, 16 de abril de 2015

A difícil arte de se pedalar em Fortaleza

Fortaleza, 29 de abril de 2014. Antes fosse 1º de abril. Mas não, foi hoje mesmo, às 13h15, numa rua calma, que cruza uma outra tão tranquila como. Voltava do almoço, um trajeto que faço quase todo dia para visitar familiares e com eles almoçar. Como de costume, sempre vario o trajeto, utilizando dois distintos para ir e outros dois também diferenciados para retornar. O erro de hoje foi ter saído sem capacete. Ia mencionar que não estava com meus óculos, mas se comparado a pedalar sem capacete, referindo-me à segurança, até me perdoo, visto que os esqueci em casa de amigo no fim de semana. Até tenho outros, mas são esportivos, então só os utilizo mesmo em treinos de mountainbike. No trânsito, prefiro os quadrados, aos quais já me acostumei. Outra função dos óculos, além de proteger os olhos, é o efeito "vidro fumê", tipo o dos carros, quando não é possível identificar o motorista. No caso do ciclista, quando por algum motivo de força maior é necessário defender-se de algum mal proveniente de integrantes do trânsito, fica mais difícil a visualização e memorização do rosto, lembrando que a intenção nunca é a de atrair, gerar ou fomentar qualquer tipo de conflito. Infelizmente, graças a anos de experiência sobre as duas rodas silenciosas, no meu caso, desenvolvi um sentido aguçado para me precaver de possíveis colisões. Tanto que a única vez que fui atingido por um carro foi quando precisei acessar uma calçada devido a uma poça d'água gigante em meio ao trânsito parado e quando fui atravessar um cruzamento, surgiu da outra pista um fusca que entrava à esquerda, pegando-me em cheio de frente, só não sendo pior porque estávamos em baixas velocidades. Eu bolei por sobre o capô do fusca do oficial do exército, minha bike teve seu aro dianteiro empenado, ficando feito um oito, ele prontamente preocupou-se com minha integridade, e logo nos despedimos, sendo que eu ainda tive que desempenar a roda com saltos sobre a mesma, foi um susto da porra. De resto, minhas quedas foram ocasionadas por mim, e somente eu me machuquei. Mas hoje, aconteceu o inacreditável. Saí sem óculos e sem capacete, lembrando-me do meu Giro assim que cheguei no portão do prédio, mas não dava tempo retornar, então segui mais cauteloso. Desci a ladeira meio receoso por causa do pessoal da construção vizinha, com quem andei reclamando por trabalharem além do horário legal permitido. Foda! Nesse país, um cidadão que reclama pela manutenção de seus direitos tem uma interpretação invertida, passando a vilão do ocorrido! Daí a paranoia, achando que a qualquer momento um pedreiro avançará pro meu lado a fim de me agredir. Passei em frente ao stand de vendas, tudo transcorrendo bem; atravessei a avenida, passei por um posto de gasolina e acessei uma rua tipo a que moro: mão única, carros estacionados de um lado e de outro, e eu sempre na torcida para que algum agoniado não apareça, e caso surja do nada, espero toda vez que seu comportamento seja exemplar, que tenha paciência, pois no máximo serão 50m até o cruzamento. Nem sempre. Hoje, por ali, não encontrei nenhum. Atravessei uma via arterial na malícia por detrás de um carro em alta velocidade. No outro quarteirão, onde vez ou outra me deparo com carros na contra-mão, também não teve ocorrências. Uma última avenida ficou para trás e ainda faltavam quatro quarteirões e meio. Surpreendentemente, foi uma maravilha, e cheguei alegre para almoçar. Uma boa parcela da família presente garantiu a boa conversa, ajudando na digestão e alegrando o dia. Tanto que, na volta, vinha eu pensando em projetos novos e em seus desafios. O trânsito parecia o de um sábado à tarde. Mas logo depois da travessia da última avenida, eu na rua onde moro, a dois quarteirões de meu destino, notei que um carro barulhento acelerava fortemente, vindo em minha direção. Quando o mesmo se aproximou, coloquei-me mais à direita, foi quando escutei buzinadas. De relance, olhei para trás e quando vi, a quina de um Volkswagen velho vinha na direção da minha perna esquerda, já a menos de um metro de atingi-la! Não tive dúvidas: desencaixei meu calçado do pedal, contraí a panturrilha, levantando o calcanhar, de modo que se fosse atingido, eu tentaria amortecer com o pé, em vez de lavar uma porrada. Não deu outra: o vidro do farol quebrou-se com o choque. Aí olhei pra trás e avistei uma senhora gorda, que começou a gritar, xingando-me com muita ira. Balancei a cabeça e atravessei o cruzamento. Ela, não satisfeita, acelerou, cantou pneu e veio com tudo para me atingir, tentando descontar. Minha sorte foi que deu tempo passar de um carro estacionado. Assim que passei, freei e subi a calçada, já com a adrenalina ativada e para explodir de raiva, não acreditando naquela cena! Foi quando percebi que havia um carona, um cara calvo com porte de lutador. Eu já tinha dado a volta completa no carro estacionado, tirei o celular do bolso, fotografei o carro, pegando placa e os dois indivíduos. A mulher, que havia freado para ver o farol, encontrou o cara que desceu também à frente do veículo, e eu passei pela esquerda do carro, puto, jogando todo o peso da minha mão direita no retrovisor, e dizendo que aquilo era por causa dela ter jogado uma tonelada auto-motora, fazendo do carro uma arma branca, pra cima de mim. E me vi de repente em meio a uma gritaria na rua, que rapidamente juntou gente do mercadinho, da obra, do beco e dos prédios para assistir ao circo urbano, foi triste! Eu estava em frente ao prédio que moro! Não podia entrar! Seria entregar meu endereço para aquela dupla! O cara, que antes de eu ter acertado o retrovisor pedia para encerrar aquela merda por ali mesmo, veio na minha direção, perguntando-me se eu queria "entrar numas", no que respondi que eles que me colocaram naquela situação, e, de repente, levei dois murros na cara de raspão, pois ainda consegui me esquivar um pouco. O cara parou e falou "o que eu estou fazendo?" (?!), e eu lhe disse que estava perdendo a cabeça por causa daquela "jumenta parida". Peguei minha bike e fui em direção ao carro novamente! Eu queria achar uma pedra para quebrar algum vidro, de preferência o dianteiro, mas não achei. O sujeito veio de novo, mas consegui passar por ele sem que ele me atingisse, e aí, esmurrei novamente o mesmo retrovisor, que antes não havia caído, e dessa vez foi para o chão, dizendo que dessa vez era pela agressão dele e fui-me embora, passando pela multidão, pedindo desculpas pela cena, e reforçando que eu estava simplesmente me protegendo. Meu endereço ficou para trás. O cara vinha caminhando. Eu mirei o dedo pra ele e fui embora. Pedalei dois quarteirões adiante, dobrei à direita e novamente à direita para retornar por uma avenida, o que me deu chances de visualizar dali o alvoroço em frente ao mercadinho. Aí passei e num quarteirão à frente dobrei à direita para fazer o mesmo na rua que moro. Mas parei antes na esquina, encontrando um dos entregadores do mercadinho em sua bicicleta cargueira. Perguntei se ainda estavam lá e ele disse que não. Avistei um morador me chamando e quando me aproximei, ele disse que o cara pegou uma chave de fenda grande no carro e estava a pé à minha procura. Agradeci e fui em direção ao portão do prédio, entrando e subindo rapidamente para preparar um Boletim de Ocorrência Eletrônico, já que não achei prudente ir pessoalmente à delegacia, visto que os dois também poderiam ter feito o mesmo. Então, em casa, preenchi tudo, redigi um texto e submeti. Aí, mais uma vez o país mostrou sua cara, pois o boletim sobre uma ocorrência de acidente de trânsito não pôde ser registrado porque havia dado um erro e eu teria que realmente ir à delegacia! Filhos da puta! Só porque um dos veículos era uma bicicleta, o "erro" ocorrera! O resto do dia passei tenso, com muta raiva, sem conseguir trabalhar eficazmente. Foooooda!!!!!!!! Preciso urgentemente ir morar em um lugar mais civilizado, porque nessa terra de valores invertidos eu vou acabar numa cadeira de rodas, senão morto! E agora, como é prudente agir, terei que dar um tempo nas pedaladas urbanas ou mudar meu visual, cortando o cabelo quase no zero, eliminando a barba, utilizando um capacete que só sai do armário nessas ocasiões, calças em vez de bermuda por causa da tatuagem, e até cancelando temporariamente contas em redes sociais! Espero não encontrar aquela dupla nunca mais! Espero que sejam bem felizes e que parem de agir assim no trânsito, onde obedecer as regras é primordial para que todos se entendam e saiam ilesos, atitudes raras na capital cearense. Não vou publicar a foto, mas irei amanhã de manhã à delegacia! E só não paro de me locomover de bike porque gosto muito! Outros vários desistiram na primeira tentativa!